sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Crônicas de Carnaval: O primeiro carnaval de Isadora


Isadora é uma autêntica foliã. Derivada da estirpe dos maiores brincadores de carnaval que esse Brasil já abrigou, ela mal sabe o significado das músicas que escuta, mas as dança com uma tamanha desenvoltura e simpatia que faria inveja à qualquer porta-estandarte de escola de samba.

Todos ao redor são maiores que ela, até mesmo os que são da sua idade, afinal estes estão salvaguardados pelos braços da mãe ou do pai. Mas Isadora não está nem aí. Ela mostra os dentes miúdos ao tocar a sandalinha no chão empoeirado, sapateando e pulando, com os braços arqueados, e gritando: "Reboleichon, reboleichon".

As pessoas que passam por ela apontam, sorridentes, e dizem: "Mas é uma graça mesmo!", "Essa vai dar trabalho pro pai quando crescer", "Marminino!", entre outros gracejos. O pai e a mãe, também dois meninos, sorriem orgulhosos. Aquele sorriso único, sorriso de só quem gerou uma vida é capaz de dá-lo.

A música continua, ensurdecedora, e também continua Isadora no seu ritmo. E como ela possui ritmo! Seus pulinhos são compassados milimetricamente com as batidas do tambor. E nada de cansar! Ela pulava como se não houvesse mais nada na vida a se fazer, como se a vida fosse aquilo mesmo, um eterno carnaval, e que todas as dificuldades seriam vencidas daquele jeito, pulando e dançando.

Então, o cantor se cala. A canção cessa. Pessoas correm, com expressões de terror no rosto. Um objeto metálico, pequenino, se sobressai ao ruído dos tambores, à altura das pessoas, e, brilhando ao sol, emite um estampido seco e sombrio. Isadora para também de pular. Procura os pais, virando a cabeça e os olhos para lá e para cá. Encontra apenas suas pernas, mas, para ela, é o suficiente: ela se agarra como um náufrago agarra uma tábua de salvação, e estende as mãos, para que sua mãe a carregue no braço, naquele braço protetor.

Isadora ganha estatura nos braços da mãe, embora esta não seja muito alta. E consegue ver alguns homens com roupa cinza (que bloco será esse, ela poderia se perguntar) e tomam aquele brinquedo metálico do som assustador de um louro forte. O cantor convoca a todos para recomeçar a brincadeira de onde pararam. E o baticum volta. E a pequena Isadora dá um tapa nos braços salvadores da mãe, zangada porque ela não a deixa mais brincar e pular.

Isadora não chegou a conhecer o carnaval que seus avós se conheceram e brincaram. Está podendo aproveitar o mesmo carnaval de seus pais, e até se divertir mais que eles. E poderá aproveitar um carnaval diferente no futuro, quando nós estivermos velhos ranzinzas, fugindo da zoada e da folia e nossas Isadoras estiverem puxando nossa camisa e batendo nos nossos braços já não tão protetores assim, pedindo a mesma coisa: para brincar e pular o carnaval.

Essa Isadora não tem jeito, mesmo.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A grande lição do BBB 10


Pois bem, meus amigos, o programa sequer acabou e essa edição pode-se considerar entrada pra história. Porque o filho do Boni conseguiu algo que nem Sílvio de Abreu, nem Manoel Carlos, nem qualquer outro autor de qualquer outro gênero dramatúrgico conseguiu: criar um verdadeiro debate entre a homossexualidade, um assunto que, apesar de estarmos no muderrno século vinte e um, ainda é tabu.

Para contextualizar quem é metido a intelectual, que assiste Lost mas menospreza BBB por dizer que "não tem cultura" (malzaê Wilame, de pegar sua série favorita como exemplo): existem dois participantes da casa em especial, Dourado [direita] (aquele mesmo, do BBB4) e Dicésar, mais conhecido aqui fora como a drag Dimmy Kieer [esquerda]. Dourado, gaúcho, é lutador e, como boa parte da população, possui uma visão considerada retrógrada em relação a pessoas do mesmo sexo se relacionarem. Dicésar, um dos grandes nomes do movimento LGBTT, é uma das tantas esteriotipações gays (Serginho, de 20 anos, é outro). Como era de se esperar, há um enorme conflito entre os dois. Não só entre divergências de estratégias de jogo (aliás, não pretendo entrar nesse mérito hoje), mas porque há insinuações, seja de dentro da casa ou de fora dela, que Marcelo Dourado estivesse sendo homofóbico.

Eu tenho a minha opinião sobre isso e a guardarei para mim. Mas o que quero comentar é um fenômeno curioso que está acontecendo na sociedade brasileira: graças à esse embate Dicésar vs. Dourado, as discussões sobre homofobia e direitos homossexuais estão efervescendo mais do que nunca. Fóruns e blogs, que antes só diziam asneiras sobre o programa, agora refletem seriamente e embasadamente (bem, alguns apenas levantam sua bandeira, quer ela pró ou antihomo), e estimulam representantes dos dois lados, para discussões que vão muito além das esferas do Big Brother Brasil, e englobam como o diferente é visto na sociedade, entre outros aspectos. Conseguiu melhor discussão do que, por exemplo, o caso daquele casal de lésbicas em Mulheres Apaixonadas, vividas pela Bárbara Borges e a Alinne Moraes.

Parabéns a todos da produção do programa que tiveram a brilhante ideia de confrontar duas pessoas diferentes. Mas mais parabéns ainda por promover e estimular um debate sobre um dos maiores tabus da sociedade brasileira. Se aceitarem uma sugestão para o programa que vem, coloquem um ex-presidiário e um delegado de polícia na casa. Aí veremos outro bom debate.